4 de dez. de 2012

História mal contada



"É certo, Príncipes Soberanos, que onde há tais terras devem existir inúmeras coisas de valor (...) dos índios que tenho comigo entendo uma coisa por outra, e não tenho grande confiança porque muitas vezes tentam fugir. Mas agora, para agradar nosso Senhor, farei o máximo para gradualmente entender mais desta linguagem, que percebo ser uma só até agora. E depois, os benefícios se tornarão conhecidos e esforço será feito para que todos sejam catequizados (...) E Vossa Alteza terá uma cidade e uma fortaleza construídas por estas bandas, e essas terras serão convertidas para Vosso benefício"(Fragmento do diário de Colombo, em sua primeira viagem às Américas - 1492)

Desde as primeiras viagens de descobrimento o fenômeno da integração global teve início. O mito por trás da imagem acima data mais de seis séculos, mas ainda conta a história sobre como as estruturas sociais foram criadas com base na idéia de catequização, ou seja, imposição de valores como sinônimo de integração, e desenvolvimento como condição de um progresso desumano. Apesar da globalização ter como idéia fundamental a integração humana, a mesma não passa de uma simples continuação de um longo processo histórico de expansão imperialista, com vistas coloniais hegemônicas. Ou seja, a imposição dos valores ocidentais sobre culturas tidas como "primitivas" e involuidas.

O que o mundo está vivendo hoje, a partir de uma perspectiva geral, é a intensificação das relações humanas através do desenvolvimento tecnológico e da interdependência econômica. Entretanto, é importante salientar que a globalização é um processo desigual. Além disso, a sociedade global está entrelaçada em um sistema capitalista monetário onde a dominação encontra suas formas através do controle de remotas partes do mundo, por emprego de mão de obra barata para sustentar impérios corporativos. 

Considerando o número de sociedades que desapareceram como conseqüência da hegemonia imperial, isso claramente aponta para a forma como o fenômeno multifacetado da globalização, que remonta a modernidade, não é apenas a homogenização da cultura, mas também o de privar indivíduos de uma escolha consciente na participação de sua evolução cultural, uma vez que são obrigados a aceitar valores que não são seus. Vale a pena mencionar que o comportamento - um fenômeno humano altamente ditado pela cultura - como proposto pela antropóloga Margaret Mead, é aprendido e transmitido pela cultura local. Assim, o processo de culturalização toma forma não mais como um conjunto de valores transmitidos, mas sim como um produto no qual os indivíduos geralmente adquirem através de tendências globalizadas. 

Com isso, os fluxos de uma cultura global fundamentada no consumismo cria clientes para os mesmos bens, serviços, e padrões mentais. Não é segredo como a cultura ocidental teve seus valores empurrados em distantes e exóticas sociedades através do processo colonial, aniquilando por completo identidades locais, substituindo-as por valores padronizados. Por isso, o que está acontecendo não é um consciente e igual progresso, onde a diversificação cultural de diferentes origens são dadas as mesmas chances de serem quem são e viver a vida como querem. Mas sim um processo de tirania cultural e padronização, onde aqueles com maior poder econômico ditam como as pessoas de mais baixa ordem social devem viver suas vidas, se comportar, e consumir. 

Não devemos esquecer das verdadeiras forças por trás do fenômeno da globalização, capitalizada na servidão, mesmo quando se impõe através de um sistema de mérito. Por essas e outras razões, os laços entre a cultura e o local estão ficando cada vez mais fracos. Apesar de se apresentar com unicidade e integridade, a realidade que vem sendo construída está cada vez mais fragmentada. A pergunta que devemos fazer a nós mesmos, portanto, não é se a globalização leva à homogenização da cultura, pois para isso já temos a resposta. Mas sim como as culturas de menor proporção podem conseguir sobreviver para as futuras gerações. Afinal um mundo onde a igualdade opera em nível ideológico só poderá dar vazão para uma diferenciação social ecômica. E isso nós já sabemos onde termina... guerra.

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